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Mona Lisa e a sede de beleza

05 ABRIL 2015

por: Raquel Naveira

 
 
 
 
 
 
 
 
 
Como explicar o meu choro convulsivo diante do retrato da Mona Lisa? Um quadro tão pequeno, numa sala especial do Museu do Louvre, em Paris, protegido por um grosso vidro à prova de balas. A tela mais famosa do mundo, que tem inspirado poemas, filmes e é alvo constante de roubos e falsificações. Meu choro seria apenas o desejo satisfeito de estar ali, emocionada, naquele lugar, diante daquela discutida obra de arte? Ou minhas lágrimas brotaram de um coração inflamado, de uma alma encantada pela imagem da Beleza perfeita?
 
O que é Beleza? Beleza é palavra indefinível. Olavo Bilac afirmou que as definições de Beleza são mais numerosas que as estrelas do céu e do que as areias do mar. Que a Beleza é criada pelo Amor e na mulher mistura-se com a graça e a inteligência. Que a graça envolve atração, sedução, favor, elegância, alegria, delicadeza, sutileza e espírito.
 
Há graça na Mona Lisa. Ela é um ser vivo, pulsante, sanguíneo e trêmulo. Mergulhada entre rochedos como uma vampira, há sabedoria sobrenatural em seus olhos, revelando a alma presa na coloração da carne. O sorriso enigmático, prestes a se abrir como uma flor, pétalas de segredos e silêncios. As mãos relaxadas sobre o colo assemelham-se a pássaros alvos, o vestido cheio de bordados e laços é de tecido suave como brisa. Os cachos de cabelos sobre os ombros confundem-se com o ondular do xale transparente. 
 
Leonardo Da Vinci, o talentoso gênio da Renascença italiana, conseguiu captar inúmeras gradações de beleza concentradas na dama florentina: a formosura sublime da graça.
 
Sou estudiosa de Estética, essa parte da Filosofia que trata da sensação e da sensibilidade. O Belo seria o esplendor da Verdade, conforme Platão. Mas há tanta Beleza na imaginação, na fantasia. Há mentiras lindas,  desacordos entre o pensamento e a realidade, que a história das artes registra na consagração da glória. As lendas e as mitologias, por exemplo. O Belo é o que nos agrada, diz outra teoria. O Belo está atrelado aos nossos sentidos. Mas há beleza também no trágico, que nos desagrada. O Belo é o útil, dizem os pragmáticos. Mas há coisas que não servem para nada e são belas: os inutensílios de Manoel de Barros, os seus ?alicates cremosos?, as suas ?nuvens de calças?. Kant, contrariando essa doutrina disse que o ?Belo é uma finalidade sem fim?. O Belo é o Bem gritam os moralistas. Mas a missão do artista é criar o Belo e não pregar o Bem. Flaubert, que sofreu até um processo, quando da publicação do seu imortal livro ?Madame Bovary?, defendeu-se afirmando que ?não há livros morais nem imorais. Há livros bem ou mal escritos?. Tantas teorias para compreender o que é o Belo. Como encontrar a Beleza a menos que ela seja nosso caminho e nosso guia? A beleza é amável e suave ou força poderosa e temível? Quanto mistério se perpetua nos lábios finos de Mona Lisa.
 
Gostaria de erguer bem alto a bandeira da Beleza. Ao invés do lema revolucionário da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade, que têm levado a guerras, eu faria ecoar que há beleza em tudo: na natureza, nas lendas, nas línguas, nos costumes, na diversidade de expressões do ser humano. Há beleza nos sentimentos elevados e nos condenados. Cobriria tudo com amor, ternura, compaixão. Onde existiu erro, superabundaria a Graça.
 
A explicação para meu choro convulsivo diante do retrato da Mona Lisa é que temos fome e sede de Beleza. Ela olhou para mim do fundo da eternidade. Senti-me num pomar em flor, cercada de uma multidão de anjos. Contemplei por um instante a face sagrada da Vida.
 
 
Raquel Naveira - ESCRITORA, DOUTORA EM LÍNGUA E LITERATURA FRANCESAS