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A SERENIDADE DO ZERO: LIVRO DE POEMAS DE ALEXANDRA VIEIRA DE ALMEIDA

POSTADO EM 14 ABR 2018 por: Raquel Naveira A SERENIDADE DO ZERO: LIVRO DE POEMAS DE ALEXANDRA VIEIRA DE ALMEIDA

(Foto: Reprodução/Clube das Comadres)

 

 

 

 

Raquel Naveira*

 

Enquanto objeto, A Serenidade do Zero, da poeta, professora e crítica literária, Alexandra Vieira de Almeida, editora Penalux, é um livro lindo. Capa dura de um céu azul lírico, lombada cor de rosa, refletindo a pureza do infinito. Quando o abrimos, somos convidados a nos libertar ?da luz do estado de vigília e da mente daqueles sonhos?, conforme ensinamento Dos Upahishads-Rig Veda; alertados de que ?a consciência é uma garrafa vazia num oceano de afetos em maremoto?, como escreveu o filósofo Nietzsche.

O prefaciador, o professor de Literatura, Marcos Pasche, explica que em nossa cultura, o zero é símbolo da insuficiência e nulidade; que a nota zero é um frequente pesadelo dos estudantes; que a expressão ?zero à esquerda? enche a boca de quem deseja desqualificar a outrem. A poesia, no entanto, é fenômeno de revelação e ressignificação. A autora traz uma concepção original do número. Não é o único assunto dos trinta e nove poemas que compõem o livro, mas é a ideia estrutural, o eixo do conjunto. ?Do zero proveio a multiplicidade dos outros números?, diz o poema que dá nome à obra.

Os números, que aparentemente servem apenas para contar, fornecem uma base de escolha para as elaborações simbólicas. Exprimem ideias e forças, têm personalidade própria, relações com o Princípio Uno. O zero é o vazio, a concha, o feto. Sem valor por si mesmo ocupa o lugar dos valores ausentes, os intervalos, as pausas que multiplicam ou anulam.

Em uma recente entrevista dada a uma Rádio, Alexandra confessou ter sido influenciada, entre outras referências, pelo Livro sobre Nada, do poeta Manoel de Barros. Palavras e expressões como ?nada?, ?vazio?, ?segredo?, ?casulo?, ?letra morta?, ?preces sem um único som?, ?silêncio-relicário?, ?silêncios meticulosos?, ?deserto?, ?orgasmo do esvaziamento?, ?nirvana de um gozo etéreo e pleno de desfolhagens?, ?despir é silenciar a mente?, ?natação do silêncio?, ?rosto do abismo?, ?iniciados do vasto?, ?anticor?, ?pó de estrelas?, ?placidez perpétua?, ?mar transparente?, ?vazio inaugural?, ?árvore de esqueletos?, ?utensílios ocos? povoam o livro e dão o clima dessa busca alva e seca da serenidade do zero.

A poeta afirma que, na consciência de sua limitação e finitude, ?busca o olho que nada vê?, como se, a partir daí, pudesse ver o paraíso. Ela é a ?pagã zero? que ama a solidão das ilhas desertas, o sereno sossego de quem reconhece o humano em si como traço do divino.

Solitária e solidária, amiga dos amigos, com quem conversa constantemente através de mensagens e textos, Alexandra dedica vários poemas a outros poetas capazes de decifrá-los como Igor Fagundes, Olga Savary, Luiz Otávio Oliani. Que alegria um poema dedicado a mim, o ?Alfabeto Transcendental?! Diz assim: ?A comunhão dos signos/ se faz pela hóstia do silêncio/ Que traduz o que a boca não vê/ Transcendência de nomes/ No papel mágico da vida.? Amei. Acredito nas letras do alfabeto como constelações, firmamentos, galáxias de Gutenberg, correntes elétricas, forças mágicas que regem o mundo e transformam criaturas em criadores.

Outro detalhe: à maneira da prosa de Saramago, Alexandra não pontua seus versos. A disposição perfeita das letras maiúsculas e minúsculas provoca o ritmo fluente do pensamento que se abre e se fecha sucessivamente em ondas extensas.

Que bela é uma alma que procurou no caracol do zero, no ovo cósmico, ?o grau zero da serenidade/ o divino em pleno despertar!?

 

*RAQUEL NAVEIRA é escritora, professora universitária, crítica literária, Mestre e Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, autora de vários livros de poemas, ensaios, romance e infantojuvenis. Pertence à Academia Sul-Mato- Grossense de Letras (onde exerce atualmente o cargo de vice-presidente) , à Academia Cristã de Letras de São Paulo e ao PEN Clube do Brasil.

 

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