COLUNAS

Elisa

POSTADO EM 22 FEV 2015 por: Raquel Naveira
 
 
 
 
 
 
 
 
Encontro o dono da livraria com a netinha nos braços. Pergunto qual o nome dela e ele responde: - Elisa. Elisa, nome de mulher forte, de rainha, penso eu. Era o nome de minha sogra, bela-vistense da fronteira do Paraguai, personalidade ao mesmo tempo doce e firme, matriarca de uma família de seis filhos homens, que a respeitavam com admiração. O nome pertencera à sua madrinha e tia, pessoa de fibra e boas amizades.
 
E houve Elisa, a rainha de Cartago, a musa do poeta Virgílio em seu livro épico, a Eneida. Elisa é também chamada pelo apelido de Dido. Chegou à costa da África, fugindo de seu irmão, o ambicioso Pigmalião, que matara o esposo dela, Siqueu, para roubar-lhe os tesouros. Tencionava eliminar a própria irmã. Dido é avisada em sonho e consegue escapar com alguns nobres e servos dedicados pelo mar alto.
 
Na Líbia, recebem-na em paz. Quando pediu aos nativos para ali se estabelecer, eles lhe ofereceram a área que o couro de um boi pudesse abranger. Ela então cortou o couro em tiras fininhas e dirigiu-se para o campo. Estendendo-as no chão, delimitou um vasto território, onde fundou uma cidade: Cartago.
 
O príncipe Eneias, sobrevivente da guerra de Troia, aporta em Cartago. Dido oferece-lhe um banquete no palácio e ouve suas aventuras. Dominada pela deusa Vênus, apaixona-se por Eneias. O amor intenso de Dido e Eneias é vigiado por duas deusas rivais: Juno e Vênus. Durante uma caçada, Juno provoca uma tempestade. Os dois jovens buscam refúgio na mesma gruta e se entregam um ao outro.
 
A deusa Fama, hoje chamada Fofoca, veloz, espalha a notícia pela cidade. Sopra no ouvido de todos que Dido não se ocupa mais do reino e só se dedica ao amante, cobrindo-o de favores e presentes.
 
A inveja e o ciúme não tardam. Jarbas, rei da Getúlia, que amava Dido e fora desprezado, não suporta ver seus sonhos desfeitos e pede ao deus Júpiter o fim daquele romance. O deus dos deuses atende a súplica ardente de Jarbas e envia a Eneias um mensageiro, o deus Mercúrio, que ordena ao herói que saia imediatamente de Cartago. Avisa que Eneias fundaria um reino grande e poderoso em terras romanas, na Itália.
 
Eneias, angustiado, não sabe como dizer àquela mulher perdidamente enamorada que ele tem uma missão maior e que precisa ir embora. Prepara escondido a sua partida. Elisa, chorando muito, tenta convencê-lo a ficar, mas ele se mantém implacável. Nada mais resta a ela senão um amor desfeito e um reino em ruínas. Não suportando a ausência do amado, ela decide morrer. Manda preparar uma fogueira, sobe no alto. Vendo se afastar a embarcação em que Eneias navegava para seu destino, Elisa atravessa o corpo com a espada mortal, num longo e derradeiro grito. Do navio, ele chora o adeus e observa as chamas, sem saber que aquele clarão era a pira funerária de Elisa.
 
Uma história triste, trágica. Muitas vezes indaguei a mim mesma lendo essa passagem que adoro e que me leva a tantas reflexões: - Teria havido amor verdadeiro entre Elisa e Eneias? A leitura de Coríntios 13 me iluminou quando diz que o amor é sofredor, bondoso; que não é invejoso, não trata com leviandade, não se ensoberbece, não se porta com indecência, não busca seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; não se agrada da injustiça, mas alegra-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. Que lindo ideal. Que estrela. Não houve amor entre Elisa e Eneias. Houve paixão, atração, orgulho, conflito de interesses pessoais, mentiras, enganos, dissimulações, escândalo e ira de morte.
 
Como é contrário a si mesmo o amor, diria Camões. Suspiro enquanto folheio o livro todo ilustrado, Rainhas da Antiguidade: Elisa, Cleópatra e Zenóbia, de Dirce Lorimier Fernandes, fascinada pelo drama de Elisa como eu.
 
Elisa era o nome da menina. Um belo começo.
 
 
 
 
Raquel Naveira 
ESCRITORA, DOUTORA EM LÍNGUA E LITERATURA FRANCESAS
 

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